Aproveitando a Arte

Viajando pela Internet, li num blog, uma citação de uma música do Chico Buarque, Roda-viva, utilizada com uma função e em um contexto completamente diferente do que estou acostumado a utilizá-la. Interessante como a arte, a canção, no caso a mesma canção, tem, sobre cada um de nós, impacto diferente. Cada um que gosta de determinada música, gosta por um motivo particular, por uma compreensão e identificação únicas.

O fato me fez pensar que uma obra de arte é relevante, quando pode, de alguma forma, clarear, jogar um pouco de luz em alguma dimensão humana complexa.

Os artistas, os escritores, os poetas, os músicos, nos esclarecem, fazem a gente prestar atenção em coisas importantes que, muitas vezes, nem havíamos percebido que existem. Chegam mesmo até a apresentar soluções para questões íntimas nossas, que estão incomodando ou que nos estão paralisando. Suas obras, os livros, teatro, cinema, pintura, escultura, incluindo aqui o contexto onde e como foram criados, vale dizer, a biografia do autor, têm essa função, agem como spots na escuridão que, ao iluminar recônditos inesperados de nosso ser e da vida, permitem vislumbres de novos comportamentos, pois essas novas percepções, indistintas no começo porque até então desconhecidas, originam ponderações mais sofisticadas, mais aprofundadas, sobre as questões difíceis, humanas, a que se referem.

A partir dos referidos vislumbres fornecidos por eles, a partir dessa sensibilização inicial, fazemos uma triagem do que nos interessa, mudanças aqui e ali nos raciocínios por eles introduzidos e achamos, finalmente, o resultado que mais nos convém para a forma específica que aquele problema adquire para nosso próprio jeito de ser, no nosso dia a dia. O livro, o poema, a cena teatral ou do cinema, o CD, a dança, o quadro, etc., serviram, então, como inspiradores para o nosso raciocínio, muitas vezes como modelo de comportamento.

Acontece que para que se consiga aproveitar esse benefício induzido pela arte, duas condições são necessárias: estar bem, emocionalmente, estar equilibrado, desfrutando de liberdade interna, com grande parte do cérebro livre para receber as novas influências e que se tenha sido sensibilizado para essa maneira de adquirir conhecimento.

Se essas duas condições não estiverem presentes, não se consegue aproveitar o crescimento proporcionado pela arte.

Existe aqui um aparente paradoxo: como pode a arte levar ao desenvolvimento, proporcionar bem-estar se é condição necessária que para aproveitá-la já se esteja bem?

Pois é.

O que se pode dizer, imediatamente, é que se a pessoa não estiver bem, necessita antes fazer algum tempo de psicoterapia, como se esta fosse uma espécie de motor de arranque, que utilizando um tranco inicial, possibilita que outros “motores”, os motores reais, os que fazem o veículo efetivamente andar, entrem em funcionamento.