Appaloosa – Uma Cidade Sem Lei

Um grande faroeste. Diferente dos tradicionais, este moderno bangue-bangue não se preocupa exclusivamente com os afazeres masculinos, tem uma temática mais delicada, apresenta nuances psicológicas – no geral pouco ou nunca focadas nos filmes do gênero – dos relacionamentos entre homens e mulheres.

Trilha sonora condizente com o gênero, ótima, ambientações perfeitas ocorrendo na época da transição entre o lampião e a luz elétrica.

O roteiro, de Roberto Knott e Ed Harris, também o diretor do filme e um dos atores principais, o mocinho, muito bem resolvido.

A pequena cidade, Appaloosa (que na verdade deriva do nome de uma raça de cavalos aprimorada primeiro pelos chineses e depois pelos índios), típica do Oeste norte-americano, vive ameaçada por um de seus cidadãos – poderoso e violento dono de um rancho – e por seus capangas que nada respeitam. Quando tal bandidão mata o xerife e seus ajudantes à queima-roupa, covardemente, os moradores, intuindo que seria ele o responsável pelo desaparecimento do xerife, resolvem contratar dois justiceiros, a fim de instaurar a lei na cidade.

Contratam Virgil (Ed Harris) e Everett (Viggo Mortensen), justiceiros, para botar ordem no lugar.

Os dois tornam-se os novos representantes da lei, xerife e auxiliar, nada inocentes, com grande experiência no ramo.

Vão dando conta do recado, com os tropeços e dificuldades de praxe, angariando simpatias aqui, lidando com animosidades ali, fazendo inimigos acolá, como de costume nesses filmes.

Tudo vai correndo normalmente, até que chega à cidade uma formosa viúva (Allison – Renée Zellweger, muito bem neste filme) que logo chama a atenção do xerife Virgil, acostumado – como se fica sabendo depois – apenas com prostitutas e índias.

Aqui aparecem algumas diferenças entre os filmes clássicos e este. Respostas às eternas interrogações masculinas sobre o universo feminino – o quê, afinal, move as mulheres? – e a pergunta correspondente sobre si mesmos – o que vemos nelas? Por que nos apaixonamos? – são tentadas.

O mocinho responde concretamente à essa questão, formulada pelo amigo em determinado momento do filme, com perplexidade, incrédulo sobre o que constata na própria organização do seu desejo. Cita cinco ou seis coisas, não mais que isso, que explicam e justificam o crescente amor pela moça, entre elas:

  1. Ela toma banho todas as noites é limpinha e saudável;
  2. Ela toca piano;
  3. Ela sabe cozinhar;
  4. É bonita;
  5. Ela come com educação.

Constata-se que o edifício do amor masculino do mocinho está alicerçado em poucos pilares.

A uma mulher assim perdoa-se tudo, subentende-se, das declarações do protagonista.

Não tem tanta importância se é gananciosa, egoísta, insegura, falsa, manipuladora, infiel (dorme com o inimigo, tenta seduzir o amigo).

Preencheu os cinco atributos necessários e suficientes? Então pronto: quero essa mulher assim mesmo, como já disse o samba.

Só por esse pequeno detalhe já se pode verificar que o filme pode proporcionar alguns questionamentos sobre os desejos masculinos e o que acontece quando são ou não realizados.

Talvez essa seja a utilidade do filme: propiciar um começo de avaliação dos próprios desejos, que, na verdade, é o que se espera de toda obra de arte, filmes aqui incluídos.

Como se estrutura a intersecção de desejos nos relacionamentos humanos? Vale a pena ter relacionamentos prolongados? Os homens são diferentes entre si mas todos iguais, na verdade? Os desejos são construídos sobre poucos pilares, sempre os mesmos ou diferentes em cada um dos homens? Qual é o máximo que se pode suportar de dissabor para manter um relacionamento? As virtudes de natureza moral e ética, particularmente a fidelidade, são as mais buscadas quando os homens pensam sobre o que gostarim de encontrar numa mulher?

Quanto à última pergunta, o mocinho do filme diz que não, já que resolveu ficar com ela como esposa.

O amigo do mocinho, que se recusou a traí-lo com a viúva insegura e safada, apesar da proposta explícita dela, por fidelidade ao amigo, fiel como seria ótimo que fossem todas as amizades, relutantemente concorda, apesar de anunciar para a moça com quem estava saindo que para ele esse arranjo não serviria.

Para consolar o xerife traído, apresenta uma explicação detalhada, com coerência interna, sobre a psicologia da moça, que explica seu comportamento (outra vez aquilo que já disse em artigo anterior, sobre a necessidade que se tem de ter explicações – ainda que não totalmente verdadeiras – sobre comportamentos humanos).

Quando a expôs, naquele difícil momento, fez-se a luz.

A compreensão do mocinho – e talvez da platéia masculina – como que desculpa qualquer deslize ético da moça.

Com sua ação – implicitamente – diz que a fidelidade não é a virtude mais importante que se busca numa mulher.

O filme mostra os desdobramentos desse tipo de compreensão, de “escolha”, com um final eticamente irrepreensível – apesar de utópico – no que concerne às atitudes relacionadas, decorrentes da amizade.

Salva-se a honra, descomplica-se o amor, pelo menos temporariamente, graças à intervenção alucinada da amizade.

E para você, prezado leitor? Será que também funciona assim? Com quem se identificaria mais?

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